quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

História heterogênea da burguesia - Mikhail Bakunin



Nota do GEAPI

Saudações Socialistas e Libertárias!

Trazemos a público novamente parte da obra “Escritos de Filosofía politica”, uma compilação de textos de Mikhail Bakunin realizada por G. P. Maximoff, especificamente o capítulo IV do tomo II – Crítica da sociedade existente.
Neste tópico, Maximoff privilegiou a análise de Bakunin acerca do desenvolvimento, consolidação e declínio da burguesia, realizando uma análise histórica deste movimento assim como dando subsídios teóricos para a derrocada da classe burguesa.
Hoje, em 2014, bicentenário de Bakunin, é possível entrever como algumas de suas análises ainda podem ser adaptadas à atualidade, nos levando a refletir sobre o avanço e a superação da sociedade – ou se o que aconteceu foi uma maximização das sociabilidades da exploração do trabalho humano.
Para 2015, lançaremos mais algumas traduções dos Escritos, objetivando por fim compilá-los em um grande volume, tal qual os livros originais. 
No mais, desejamos uma excelente leitura e sua consequente reverberação na realidade, pois sem esta última, de nada valeria todo o desenvolvimento teórico e filosófico de Bakunin e outros anarquistas, do passado e da atualidade.

Anarquismo é luta!


Houve em um tempo em que a burguesia, dotada de poder, vital e formando a única classe histórica, ofereceu um espetáculo de união e fraternidade tanto em seus atos como em seus pensamentos. Foi o melhor período dessa classe, sem dúvidas, sempre respeitável, mas a partir de então impotente, estúpida e estéril como classe; foi a época de seu desenvolvimento mais vigoroso. Assim era antes da Grande Revolução de 1793; assim era também, ainda que em menor medida, antes das revoluções de 1830 e 1848. A burguesia tinha um mundo a conquistar, necessitava assumir seu posto na sociedade organizada para a luta, sendo inteligente, audaz e sentindo-se mais forte que tudo, possuía um poder irresistível, onipresente. Por si só engendrou três revoluções contra o poder unido da monarquia, a nobreza e o clero.

A franco-maçonaria: Internacional da Burguesia em seu passado heroico. A burguesia criou também uma associação internacional, universal e formidável: A Franco-maçonaria.
Seria um grande erro julgar pelo presente da franco-maçonaria o que foi durante o século passado e também no início deste. Sendo uma instituição primordialmente burguesa, a franco-maçonaria refletiu na sua história o desenvolvimento do poder crescente e a decadência da burguesia, intelectual e moral… Antes de 1793, e mesmo antes de 1830, a franco-maçonaria unificava em seu seio, salvo escassas exceções… a todos os espíritos escolhidos, os corações mais ardentes e as vontades mais ousadas; constituía uma organização ativa, poderosa e verdadeiramente benéfica. Foi a vigorosa encarnação e a realização prática da ideia humanitária do século XVIII. Todos os grandes princípios de liberdade, igualdade, fraternidade, razão e justiça humana – elaborados teoricamente pela filosofia do século – se transformaram em dogmas práticos dentro da franco-maçonaria, assim como nas bases de uma nova moralidade e uma nova política. Converteram-se na alma de um gigantesco trabalho de demolição e reconstrução.

Desintegração da franco-maçonaria. O triunfo da revolução matou a franco-maçonaria; ao ver seus desejos cumpridos parcialmente pela revolução, e depois de tomar, como consequência dela, o lugar da nobreza, a burguesia se converteu em uma classe privilegiada, exploradora, opressivamente conservadora e reacionária, depois de ser durante muito tempo uma classe explorada e oprimida. 
Por trás do coup d’Etat de Napoleão I, a franco-maçonaria se converteu em uma instituição imperial na maior parte do continente europeu.

O epígono do sentimento revolucionário burguês. Em certa medida, se reviveu a Restauração. Vendo-se ameaçada pelo retorno do velho regime, forçada também a entregar a coalizão dos nobres e da Igreja no lugar que havia ganhado com a primeira Revolução, a burguesia se fez revolucionária outra vez, por necessidade. Mas que diferença entre esta rebeldia reaquecida e a rebelião ardente e poderosa que a inspirava nos finais do século passado! A burguesia era sincera, então, acreditava séria e ingenuamente nos direitos do homem, estava inspirada e movida por um gênio para a destruição e a reconstrução. Nesse momento se encontrava em plena possessão de sua inteligência e em pleno desenvolvimento do seu poder.

Não suspeitava o abismo que separava as pessoas: Acreditava-se e sentia – de certa forma o era realmente- o verdadeiro representante do povo. A reação de Thermidor e a conspiração de Babeuf a curaram desta ilusão. O abismo que separa o povo trabalhador da burguesia exploradora, dominante e próspera se amplia cada vez mais, e agora só o corpo morto de toda a burguesia e toda a sua existência privilegiada será capaz de preencher esse vazio.

O antagonismo de classes deslocou a burguesia de sua posição revolucionária como líder do povo. A burguesia do século passado acreditava sinceramente que se emancipando o jugo monárquico, clerical e feudal, emanciparia ao mesmo tempo todas as pessoas. Essa crença sincera, mas ingênua, era a fonte de sua coragem heroica e todo o seu poder maravilhoso. Os burgueses se sentiam unidos com todos, e marchavam para o assalto levando com eles o poder e o direito para todos. Devido a este direito e este poder que estavam, por assim dizer, encarnados na sua classe, a burguesia do século passado pôde escalar e tirar os pontos fortes do poder político de que seus pais cobiçaram por séculos.

Mas, ao mesmo tempo para plantar sua bandeira, uma nova luz inundou suas mentes. Assim que eles conquistaram esse poder, perceberam que na realidade nada tinham em comum os interesses da burguesia e das grandes massas populares, mas, pelo contrário, estavam radicalmente opostos entre si, e que o poder e a prosperidade exclusiva classe possuidora só poderia existir sobre a pobreza e dependência política e social do proletariado.

Em seguida, as relações entre a burguesia e as pessoas mudaram drasticamente, mas antes que os trabalhadores perceberam que os burgueses eram seus inimigos naturais - devido à necessidade, ao invés de um desejo perverso - a burguesia tinha se feito consciente deste antagonismo inevitável. Isto é o que eu chamo de má consciência da burguesia.

Fuga do passado revolucionário. Hoje a situação é completamente diferente: A burguesia tem um medo absoluto da revolução social em todos os países da Europa; sabe que contra esta tempestade não tem outro refúgio que o Estado. Por isso deseja e exige um Estado forte, ou, em linguagem simples, uma ditadura militar, a fim de enganar mais facilmente as massas populares, tenta vestir esta ditadura sob o disfarce de um governo representativo popular, o que lhe permitiria explorar as grandes massas do povo em nome do próprio povo.

A alta burguesia. Nos estratos superiores da burguesia, após a consolidação da unidade do Estado, nasceu e cresceu mais forte a cada dia com a unidade social dos exploradores privilegiados de trabalho da classe trabalhadora.

Esta classe (a alta burguesia) compreende os altos funcionários, as áreas de alta burocracia, os oficiais do exército, os funcionários principais da policia e juízes; o mundo dos grandes latifundiários, industriais, comerciantes e banqueiros; o mundo jurídico oficial e da imprensa; e da mesma forma, o Parlamento, cujo ala direita desfruta de todos os benefícios do governo, enquanto a esquerda tenta tomar em suas próprias mãos esse mesmo governo.

A pequena-burguesia. Compreendemos muito bem que o conhecimento não é distribuído paritariamente, mesmo entre a burguesia. Aqui também há uma hierarquia, condicionada pela riqueza relativa da camada social a qual pertencem por nascimento os indivíduos e não a sua capacidade. Assim, por exemplo, a educação recebida por crianças da pequena burguesia - apenas superior a educação recebida pelos filhos da classe trabalhadora - é insignificante em comparação com a educação recebida por crianças de alta e média burguesia. E o que vemos? A pequena burguesia, que se considerada de classe média por uma vaidade ridícula e por sua dependência dos grandes capitalistas, se encontra muitas vezes em uma posição ainda mais miserável e humilhante do que a do proletariado.

Portanto, quando falamos de classes privilegiadas, não incluímos esta miserável pequena burguesia que por ter mais coragem e inteligência não deixaria de se juntar a nós para lutar juntos contra a grande burguesia, que oprime tanto quanto oprime o proletariado: se o desenvolvimento econômico da sociedade continua na mesma direção mais dez anos, veremos que a maior parte da média burguesia vai afundar primeiro para a posição atual da pequena burguesia para se perder gradualmente mais tarde, nas fileiras do proletariado. Tudo isto será resultado da concentração inevitável de propriedade nas mãos de um número cada vez menor de pessoas, o que implica necessariamente a divisão do mundo social em uma pequena minoria, rica, educada e dirigente, e a grande maioria dos proletários e escravos miseráveis e ignorantes.

O progresso técnico só beneficia a burguesia. Há um fato deveria surpreender toda pessoa consciente, a toda pessoa que defenda de coração a dignidade humana e a justiça; ou seja, a liberdade de cada um na igualdade para todos. Este fato notável é que todas as invenções da mente, todas as principais aplicações da ciência para a indústria, o comércio e, em geral, a vida social, até agora beneficiou apenas as classes privilegiadas e ao poder dos Estados, esses eternos protetores das desigualdades políticas e sociais. Eles nunca têm beneficiado as massas do povo. Basta referir, como exemplo, as máquinas para cada trabalhador e cada defensor sincero da emancipação do trabalho coincida conosco neste ponto.

O Estado é uma instituição controlada pela burguesia. Que poder mantém agora as classes privilegiadas, com todo o seu insolente bem estar e seu iníquo prazer da vida, frente a legítima indignação das massas? Esse poder é o poder do Estado, onde seus filhos mantêm, como sempre, todas as posições dominantes, médio e inferior, exceto as de trabalhadores e soldados.

A gestão da economia no lugar do Estado. A burguesia é a classe dominante e a única inteligente porque explora o povo e o mantém em um estado de inanição. Se o povo chegar a ser próspero e tão culto como a burguesia, a dominação desta última terminaria; e não haveria lugar posteriormente para um governo político, que se tornaria então um simples aparelho para a gestão econômica.

Desintegração moral e intelectual da burguesia. As classes cultas, a nobreza, a burguesia – que em um tempo floresceram e estavam no topo de uma civilização viva e progressiva na Europa – vão afundando atualmente em torpor, vulgarizando-se, tornando-se obesos e covardes a ponto de representarem apenas atributos mais desprezíveis e indignos da natureza humana. Vemos que essas classes não são ainda capazes de defender sua independência em um país tão virtuoso como a França antes da invasão alemã e na Alemanha, vemos que todas essas classes são a mais abjeta subserviência ao seu Kaiser.

Nenhum burguês - nem mesmo o mais “vermelho” - quer igualdade econômica, porque essa igualdade implicaria sua morte.

A burguesia não vê ou compreende qualquer coisa fora do Estado e os poderes de regulamentação do Estado. A altura do seu ideal, sua imaginação e heroísmo, é a exageração revolucionária do poder e da ação do Estado em nome da segurança pública.

Agonia fatal de uma classe historicamente condenada. Como organismo político e social, com serviços prestados à civilização do mundo moderno, esta classe está condenada à morte pela própria história. Morrer é o único serviço que ainda pode fazer; à humanidade, a quem serviu durante sua vida. Mas não quer morrer e esta recusa de morte é a única causa da sua estupidez presente e dessa vergonhosa impotência que agora caracteriza todas as suas empresas políticas, nacionais e internacionais.

A burguesia está em falência total? Será que a burguesia já chegou à falência? Todavia não. Ela perdeu o gosto pela liberdade e pela paz? De modo nenhum. Ainda ama a liberdade, desde que, obviamente que essa liberdade só exista para ela; ou seja, a burguesia mantém a liberdade de explorar a escravidão das massas, que, - mesmo possuindo sob as constituições atuais o direito à liberdade, mas não os meios para desfrutá-la – permanecem forçosamente escravizadas sob seu jugo. Quanto à paz, nunca sentiu a burguesia tanto a sua necessidade como atualmente. A paz armada, que pesa sobre o mundo europeu, perturba, paralisa e arruína a burguesia.

Reação burguesa contra a ditadura militar. Grande parte da burguesia está cansada do reinado de cesarismo e militarismo, que surgiu em 1848, como resultado de seu medo do proletariado...
Não há dúvida de que a burguesia como um todo, incluindo a burguesia radical, não acredita no verdadeiro sentido do termo no cesarismo e o despotismo militar, cujos efeitos já estão lamentando. Depois de ter aproveitado desta ditadura em sua luta contra o proletariado, agora expressa o desejo de se livrar dele. Nada mais natural, porque este regime humilha e arruína. Mas como pode liberar-se dessa ditadura? Em um tempo foi valente e poderosa; tinha o poder de conquistar mundos. Agora é covarde e fraca, e afligida pela impotência de senescência. É agudamente consciência dessa fraqueza, e sente que por si só não pode fazer nada. Precisa de Ajuda. Esta ajuda só pode ser proporcionada pelo proletariado, e por isso a burguesia pensa que deve conquistá-los para o seu lado.

A burguesia liberal e o proletariado.  Mas como pode se conquistar o proletariado? Com promessas de liberdade e igualdade política? Não essas são palavras que já não comovem aos trabalhadores. Aprenderam as próprias custas, e através de uma dura experiência, que essas palavras só significam a preservação de sua escravidão económica, mão mais pesada do que foi antes. Se quereis comover o coração desses milhões de miseráveis escravos do trabalho, fale-lhes da sua emancipação econômica. Há apenas um trabalhador incapaz de compreender que esta é a única base séria e real de todas as demais emancipações. Em consequência, a melhor forma de aproximar-se dos trabalhadores é da perspectiva das reformas económicas da sociedade.

Socialismo burguês. Os membros da Liga para a Paz e a Liberdade dirão: “Pois bem, chamemos também os socialista. Lhes prometemos reformas económicas e sociais, mas a condição de que se respeitem as bases da civilização e a onipotência da burguesia: Propriedade individual e hereditária, interesses para o capital e lucros com a terra. Lhes persuadiremos de que só a partir dessas condições – que, incidentalmente, asseguram nossa dominação e a escravidão dos trabalhadores – o proletariado poderá se emancipar.

Os convenceremos também de que para levar adiante tais reformas sociais, é necessária primeiro uma boa revolução política, exclusivamente política, e tão revolucionária como queiram no sentido político, com muitas cabeças cortadas se for necessário, mas com um respeito, todavia maior à sacrossanta propriedade. Em resumo, uma revolução puramente jacobina que nos faça donos da situação; e uma vez que nos façamos donos e senhores, daremos aos trabalhadores o que podemos e queremos lhes dar”.

Traços distintivos de um socialista burguês. Aqui o signo infalível para que os trabalhadores detectem um falso socialista, um socialista burguês. Se lhe falando da revolução ou da transformação social, dize que a transformação política deve preceder a transformação económica; se nega que ambas as coisas devem ser feitas ao mesmo tempo ou mantém que a revolução política deve separar-se em certo modo de uma plena e completa liquidação social empreendida de modo imediato e direto, os trabalhadores devem virar-lhes as costas: porque quem

A burguesia não tem fé no futuro. Algo muito notável, observado e manifestado por um grande número de escritores de varias tendências, é que atualmente só o proletariado possui um ideal construtivo, até o que, aspira com paixão, todavia virgem de todo o seu ser. Vê diante dele uma estrela, um sol que ilumina e lhe dá calor; (pelo menos, de modo imaginário) em sua fé, que lhe mostra com certa claridade o caminho a seguir, enquanto todas as classes privilegiadas e supostamente ilustres se encontram fundidas em uma obscuridade pavorosa e desoladora.

Estas últimas não veem nada adiante, não creem em nada nem aspiram a nada, salvo a preservação do status quo, enquanto reconhecem ao mesmo tempo em que este status quo carece em absoluto de valor. Nada prova melhor que essas classes estão condenadas a morrer e que o futuro pertence ao proletariado. São os “bárbaros” (os proletários), que representam agora a fé no destino humano e no futuro da civilização, enquanto as “pessoas civilizadas” só encontram salvação na barbárie, no massacre dos aldeões e o retorno ao Papa. Tais são os dois requerimentos finais da civilização privilegiada.

Livreto para download: aqui

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Wayne Price - O que é o Anarquismo de Luta de Classes?



Nota do Tradutor

Saudações Socialistas e Libertárias!
Como um “presente de final do ano”, o GEAPI disponibiliza mais uma obra em português. Durante o ano inteiro, houve um esforço cotidiano para trazer ao debate em nossa língua alguns textos já conhecidos em espanhol, francês e inglês. Todos eles auxiliaram na ampliação das ideias anarquistas. Acreditamos sinceramente que este, em especial, possa colaborar infinitamente para o amadurecimento do anarquismo no Brasil, fragmentado por tendências ditas “libertárias” que insistem em negar um dos vetores de maior importância (senão o mais importante) dentro da teoria anarquista: A luta de classes.
Em “O que é o Anarquismo de Luta de Classes?”, Wayne Price busca traçar algumas indicações do que a luta de classes da atualidade implica em outros fenômenos sociais, como a xenofobia, homofobia, machismo, etc., supondo suas interligações que tem início, meio e fim na coluna vertebral do “Leviatã”: A exploração do sistema econômico capitalista e a sociabilidade desenvolvida por este, reconhecendo a importância das lutas contra cada um destes males, assim como revitalizar um debate histórico: O valor da classe trabalhadora e sua contribuição para a demolição do capitalismo e do Estado.
As relações sociais desenvolvidas no século XIX não foram superadas. Em verdade, foram maximizadas, extremadas. O individualismo do século XIX chega ao século XXI mais avassalador, mais convincente, e mais sedutor. A ciência do século XIX também se aprimorou, e sendo portada pelas classes abastadas, defensora do status quo, insiste em dizer que “tudo é ultrapassado”. Neste “todo”, a luta de classes tem fator primordial para a consolidação do modelo científico do século XXI: Dissolvida em suposições abstratas, utópicas, metafísicas, observam que as noções de “classe” já não fazem sentido, como se o capitalismo tivesse sido dissolvido, a hierarquia social eliminada, o Estado esmagado.
“O canto da sereia”, como alguns chamam, pode parecer, “contracultural”, ou “descolado”, mas não passa de mais um pacto intelectual com as elites, já sem a capacidade de produzir. Que os anarquistas tenham força ideológica para expulsar este câncer impregnado em seu meio, e retomem a via que conduz à Revolução Social e Libertária. 


Parte 1: Por que a classe trabalhadora
Recentemente me escreveu um amigo ativista, que foi influenciado pelo programa de Economia Participativa de Michael Albert. Ele me perguntava “Por que deveríamos nos chamar anarquistas de luta de classes em vez de anarquistas feministas-antirracistas-verdes-de luta de classes?”. Como mínimo, a sua abordagem inclui o conflito de classes como um dos aspectos da luta social. Há muitos, liberais e radicais, que rejeitam completamente a luta de classes. Muitos denunciam os sindicatos (da direita). Hardt e Negri foram influentes na substituição da classe trabalhadora, teoricamente, com o conceito de “multidão”.
Entre os anarquistas, uma grande parte rejeita qualquer papel importante dos trabalhadores na luta de classes. Isto é assim para aqueles que pretendem rejeitar civilização e da indústria. Apesar de discordar dos primivistas, também é verdade para Murray Bookchin. Por exemplo, em seu ensaio “Ouçam, marxistas!” (em Post-Scarcity Anarchism, 1986, Montreal: Black Rose Books), ele denunciou “o mito do proletariado”. “A classe trabalhadora [foi] neutralizada como ‘agente de mudança revolucionária’... A luta de classes [foi] cooptada para o capitalismo”. (P. 202) nega o potencial revolucionário dos trabalhadores, e no lugar deles, foca-se na “juventude”, o “povo” ou “cidadãos” que mudariam a sociedade unicamente por razões morais.
A rejeição da classe operária é a posição de quase todos os marxistas-leninistas (incluindo os Partidos Comunistas, Maoístas e Trotskistas ortodoxos). O Marxismo-Leninismo da boca para fora defende a crença de Marx na centralidade da luta da classe trabalhadora. Mas na realidade os marxistas acreditam que podem haver revoluções “socialistas” sem a classe trabalhadora (como na Europa Oriental, China, Vietnã e Cuba). E pode haver sociedade “socialista” (“pós-capitalista” ou qualquer outro), sem a participação da classe operária e, de fato, com os trabalhadores sendo brutalmente oprimidos (como na União Soviética, China, etc.). Em condições não revolucionárias, essas visões os conduzem em direção a colaboração de classe (reformismo). Já que o socialismo não exige o despertar dos trabalhadores, na sua opinião, seus partidos poderiam muito bem formar alianças com os capitalistas.
Por que, então, os anarquistas revolucionários devem se chamar de anarquistas de luta de classes? Meu amigo ofereceu uma explicação parcial: Não é controverso na esquerda nos chamarmos “feministas” ou “antirracistas”. Até os liberais o fazem. Algum tipo de pensamento ecológico ou ambiental é aceito por quase todos, exceto para a extrema direita. Mas a crença em uma perspectiva de classe contra classe é realizada apenas por uma minoria. Para ter certeza, há muitas pessoas que são a favor de sindicatos. Agora mesmo John Edwards está concorrendo à presidência dos Estados Unidos com um programa de apoio aos sindicatos e redução da pobreza. Ainda assim o seu programa se opõe à luta de classes. É para obter o apoio dos trabalhadores ao seu partido capitalista.
Da mesma forma, Andy Stern, presidente da International Service Employees Union (e muito pior do que os sindicatos oficiais), faz coligações com as empresas. Ele escreveu, “Os empregados e os empregadores precisam de organizações que resolvem os problemas, não que os criem”. Isso não é o mesmo que “A emancipação da classe trabalhadora deve ser conquistado pela própria classe trabalhadora” (primeira cláusula do Estatuto da Primeira Internacional, escrita por Marx e amada por todos os anarquistas revolucionários). Chamando a nós mesmos de anarquistas de luta de classes, apontamos a favor de quem estamos... E contra quem estamos.
O anarquismo luta de classes continua a tradição do anarquismo comunista e anarco-sindicalismo, e sobrepõe-se com o marxismo libertário (autonomia) como o comunismo de conselhos. Na sua revisão do atual anarquismo britânico, Benjamin Franks escreve: “As organizações identificadas com o título de ‘anarquismo de luta de classes’, incluindo aquelas que se identificam como tal, bem como aquelas provenientes do marxismo inspirado nas tradições autonomista e situacionista”. (Rebel Alliances, 2006, Edimburgo. AK Press & Dark Star, p 12). Eu não tenho a pretensão de falar por todas as organizações, nem eu sou um porta-voz oficial para a minha própria federação. No entanto, creio que minhas opiniões são consistentes com a corrente principal do anarquismo de luta de classes. Não vou discutir todos os aspectos do anarquismo de luta de classes (como nossa meta de socialismo descentralizado, a autogerido). Em vez disso, vou focar na importância da classe trabalhadora, do enfoque de classe contra classe.

A luta de classes é central para o capitalismo
Vamos dar uma olhada no sistema “econômico” do capitalismo - mesmo sem considerar como se relaciona com os outros sistemas de opressão, como gênero ou raça (isto será discutido na Parte 2). Não tenho a pretensão de que os trabalhadores individuais são melhores, mais nobres ou mais bonitos do que os capitalistas individuais, ou os agricultores, ou presidentes de universidades. Individualmente, os trabalhadores podem ser tão ruins quanto qualquer outro. A questão é o potencial do papel social da classe trabalhadora.
Os trabalhadores, como uma coletividade, têm uma relação especial com os meios de produção. Os meios de produção (de distribuição, e serviços sociais) são propriedade de uma minoria, a classe capitalista, que está obrigada a acumular capital. Nós, trabalhadores, sem terra ou maquinário, vendemos para os capitalistas, ou melhor, devemos vender a nossa capacidade de trabalhar por um tempo (a mercadoria força de trabalho). Trabalhamos até nós tenhamos produzido produtos suficientes para igualar o valor dos nossos salários. Então continuamos a trabalhar, para produzir mais produtos, criando mais-valia, que é a base do benefício dos empresários. Ou seja, somos explorados. Somos explorados, não apenas como individualidades, mas como uma comunidade, toda uma massa de pessoas cooperando, que é obrigada a trabalhar em conjunto no local de trabalho e na sociedade como um todo, a fim de manter o sistema em funcionamento.
Observando as estatísticas de emprego, Michael Zweig define 62 por cento da força de trabalho americana como classe trabalhadora (in The Working Class Maioria de 2000, Ithica, NY. ILR/Cornell University Press). Ele também observa que o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, classifica os 82 por cento dos trabalhadores do sector privado, não agrícolas como trabalhadores não-supervisores. “É por isso que eu digo que nós vivemos em um país com uma classe trabalhadora maioritária”. (P. 30) Os trabalhadores incluem os trabalhadores de colarinho azul e branco, trabalhadores “do braço e do cérebro” (e trabalhadoras de colarinho rosa, como são chamadas as trabalhas mulheres).
A classe operária, como CLASSE, é mais ampla que os trabalhadores imediatamente contratados por salários. Isso inclui os trabalhadores desempregados e reformados. Além de mulheres empregadas, incluindo donas de casa casadas com trabalhadores homens e seus filhos. Esta é uma classe inteira, contraposta a outra classe.
(Existe o que é usualmente chamado como “classe média”. Esta é tipicamente considerada como incluindo os trabalhadores de colarinho branco e qualificados, profissionais independentes, pequenos empresários, e os níveis gerenciais mais baixos. Estas classes médias não são na verdade, uma classe independente. Em sua maioria, são parte de uma das duas classes principais, capitalista e classe trabalhadora, e eles usualmente se orientam entre uma ou outra).
Tradicionalmente, o anarquismo, como todas as variedades de socialismo, se opôs a exploração de classe, ao consequente trabalho alienado e a pobreza que cria. Os anarquistas e marxistas igualmente apontaram para uma sociedade sem classes. Quem poderia criar essa sociedade? Moralmente, é do interesse de toda a humanidade. Mas, certamente, aqueles que são imediatamente explorados têm um interesse especial em acabar com a exploração. Sua experiência faz com que seja mais fácil para que eles tenham uma visão moral. É errado elevar “ao povo” ou “aos cidadãos” sobre os trabalhadores em sua necessidade direta para acabar com a exploração. Este ponto de vista significaria que aqueles que não são imediatamente explorados pelo capitalismo têm tantos motivos para lutar contra a exploração como aqueles que são obrigados ao trabalho alienado. É considerar que existe a mesma probabilidade de que o capitalista, o policial e gerente se oponham à exploração capitalista que aqueles que estão “sob o chicote” em seu trabalho. Esta opinião é conveniente para aqueles que querem negar a necessidade de uma revolução.
¬Em sua brilhante defesa da perspectiva da classe trabalhadora, The Retreat from Class (1998, Londres: Verso), Ellen Meiksens Wood critica vários “pós-marxistas” (mas bem poderia estar criticando Bookchin): “A implicação [de seus pontos de vista não classistas - WP] é que os trabalhadores não são mais afetados pela exploração capitalista do que qualquer outro ser humano que não é o objeto direto de exploração. Isto também implica que os capitalistas não obtêm nenhuma vantagem fundamental da exploração dos trabalhadores, que os trabalhadores não obtêm nenhuma desvantagem fundamental da sua exploração pelo capital, que os trabalhadores não poderiam obter qualquer vantagem fundamental cessando de serem explorados, que as relações entre capital e trabalho tem consequências fundamentais para toda a estrutura de poder social e político, e os interesses em conflito entre capital e trabalho estão apenas nos olhos de quem vê... Isso faz com que não tenha sentido... A história completa das lutas dos trabalhadores contra o capital”. (p. 61).
Não é inevitável que os trabalhadores vão se tornar revolucionários (embora Marx e Engels podem ser lidos neste sentido). Os trabalhadores em melhor situação podem ser comprados. Os trabalhadores em pior situação podem ser desmoralizados e derrotados. Bookchin argumenta que a hierarquia natural do local de trabalho capitalista ensina os trabalhadores a aceitarem a subordinação. Se isto é assim, os oprimidos vão resistir. Se o interesse dos trabalhadores é a de resistir à exploração. Na verdade, há uma falta de satisfação e lutas constantes (de nível baixo) em qualquer local de trabalho. Este conflito resultou em consciência revolucionária, pelo menos por uma minoria. Desde que os trabalhadores (a diferença, por exemplo, campesinos) não têm terra ou máquinas próprias, tendemos a ser coletivistas e cooperativos em nossas organizações e programas. E tendo em nossas mãos os meios de produção, transporte, distribuição, comunicação e serviços, a nossa classe tem um enorme poder (potencial), o qual poderia abalar toda a sociedade. Mais uma vez, estas tendências e potencial, não são inevitáveis.

O estereótipo negativo da classe trabalhadora
Não deveria surpreender que a maioria da esquerda - anarquista e não anarquista - tenham pontos de vista anti-classe trabalhadora. A esquerda está dominada por pessoas da classe média. Alguns como os estudantes universitários, podem ser mais facilmente “radicalizáveis” que a maioria dos trabalhadores, porque os estudantes não têm responsabilidades imediatas de ganhar a vida e sustentar a família. Mas seus privilégios relativos os fazem mais propensos a ter preconceito de classe contra os trabalhadores. Eles podem ter pressupostos elitistas inconscientes sobre o seu “direito” de governar. Os liberais procuram melhorar a sociedade dentro dos centros de poder existentes. Os mais radicais são atraídos por visões de uma classe dominante burocrática, com a nacionalização e planificação centralizada, tal como existia sob o capitalismo de Estado na União Soviética, China maoísta e Cuba de Fidel Castro. Outros imaginam que eles podem criar um mundo melhor apenas viver em uma liberdade pessoal boêmia (o que não é mau em si mesmo, mas não é uma alternativa para a construção de movimentos populares).
Os inimigos de classe média da classe trabalhadora argumentam que os trabalhadores estadunidenses são ignorantes, racistas, sexistas, superpatrióticos, religiosamente supersticiosos, xenofóbicos, e politicamente passivos. Este é o estereótipo negativo. Como a maioria dos estereótipos, contém verdades e falsidades. Ignora o fato de que a classe dos trabalhadores inclui a maioria das pessoas negras, imigrantes, mulheres, etc. Deixa de lado que os trabalhadores estão geralmente a favor do cuidado de saúde universal e de outros serviços sociais, contra a guerra no Iraque, suspeitam dos grandes empresários e dos políticos, são pró-sindicatos, antifascistas e pró-democracia. Na medida em que o estereótipo negativo é verdade, é verdade para todas as classes. Os trabalhadores não são mais politicamente ignorantes, racistas, etc. que as classes médias ou altas estadunidenses.
É certamente verdade que os trabalhadores (nos EUA e em outros lugares) não são anarquistas revolucionários. Mas esta é outra maneira de dizer que a população dos Estados Unidos ou em qualquer lugar, independentemente de classes, não é anarquista revolucionária. Em algumas partes da população pode haver mais radicais que em outros, em geral, estamos muito, muito longe de estarmos em um período pré-revolucionário em que a maioria popular queira uma grande mudança social.
Infelizmente, há muita verdade no estereótipo negativo da classe trabalhadora. Não é o suficiente para que os trabalhadores não sejam piores que as classes médias ou altas. A classe trabalhadora precisa ser melhor do que as outras classes, se quisermos criar uma sociedade em autogestão. Como superar as fraquezas da classe trabalhadora? Apenas lutando. No decorrer da luta - desde as oficinas, os problemas da comunidade até a revolução - nossa classe aprende e melhora. Através da luta nos educamos. Tornamo-nos capazes da verdadeira democracia. Não há outro caminho.
Neste momento, a minoria que são a favor da revolução anarquista deve estar pensando em uma estratégia de longo prazo: Quem está interessado em acabar com a exploração capitalista? Quem tem o poder potencial para parar sociedade e mudar o sistema? Quem tem uma história de luta contra a exploração capitalista? As respostas a estas questões estratégicas nos levará a uma perspectiva de classe trabalhadora.

Parte 2: A Relação entre a classe trabalhadora e as opressões não classistas.
Como falei na primeira parte, a classe trabalhadores é central na luta contra o capitalismo. Mas qual é sua relação com outros setores da população e seus sistemas de opressão? Como a classe se refere às mulheres e ao patriarcado; aos afro-americanos e a supremacia branca; as nações do “terceiro mundo” e o neocolonialismo; aos imigrantes e o nativismo; e as outras opressões, tão numerosas para nomeá-las? Como a classe trabalhadora se refere aos assuntos aparentemente não classistas como a guerra e o aquecimento global? Não estou discutindo a moralidade da opressão, e muito menos se uma forma de opressão é pior que a outra (como o antissemitismo versus a discriminação contra os surdos). Todas as opressões são maléficas e deveríamos nos opor. Quero discutir uma análise das relações entre as opressões e as conclusões estratégicas que se podem tirar disso.

O modelo base/superestrutura.
Os marxistas usaram tradicionalmente um modelo de uma bases e uma superestrutura. A base se supõe que é o processo de produção como está organizado em uma sociedade particular, particularmente as relações e as classes. A superestrutura é todo o resto: O Estado, a cultura, as relações de gênero e raciais, etc. A vantagem dessa metáfora é que faz insistência na enorme influência das relações de classe sobre todos os aspectos da sociedade; esta é a força do materialismo histórico. Mas há dificuldades com esse modelo. Por exemplo, se o Estado é essencial para a manutenção do capitalismo, então porque está na superestrutura e não na base? Estrategicamente, esta imagem pode nos levar a considerar todos os assuntos não classistas só como derivados. Isto pode ser tomado no sentido de que os revolucionários só deveriam se focar nos assuntos classistas, porque as opressões não classistas serão automaticamente resolvidas uma vez que a sociedade sem classes avance. Segundo este ponto de vista, os assuntos não classistas são distrações irrelevantes do verdadeiro assunto. Não são reais. Uma vez que os trabalhadores tomem o poder, pode se pensar, as opressões não classistas, como o Estado, se “extinguiriam”, sem nenhum esforço especial para tratar com elas.
Os marxistas sofisticados possuem uma interpretação sutil, mais dialética, porém o modelo se presta a esta política mecanicista. Consideremos a declaração da libertária Class War Federation (Reino Unido) de que as funções da classe média são “promover ideias que nos mantém dividido como o racismo e o sexismo... para distrair nossa energia em atividades inofensivas o que chamamos de reformismo, por exemplo, Greenpeace, CND (Comitê para o Desarmamento Nuclear), feminismo, sindicalismo...” (Unfinished Business..., 1992, Stirling, Scotland: AK Press; p. 57). O livro possui uma caricatura na qual as pessoas ricas estão dançando em uma plataforma que está sendo sustentada por pessoas que estão atordoadas pensando (em círculos) “Ecologia, Anti-bombas, vegetarianismo, feminismo, terceiro mundo, Salvem as...” (p. 8). Como mínimo, nesta declaração e caricatura, os movimentos para o equilíbrio ecológico, a liberação das mulheres, a libertação nacional e a oposição à guerra nuclear não são vistos como possíveis aliados da “guerra de classes”, só como diversões da classe média. Racismo e sexismo são vistos como problemas só porque dividem a classe trabalhadora, e não como temas em si.
Por outro lado, o historiador marxista, Ellen Meiksins Wood, conclui, “a metáfora base/superestrutura sempre foi mais problemática do que vale a pena... Tem sido feita para suportar o peso teórico mais além das suas capacidades...” (Democracy Against Capitalism, 1995, Cambridge, Britain: Cambridge Univ. Press; p. 49-50) (Como estabeleço na parte I, o anarquismo de luta de classes se solapa em grande extensão com o marxismo libertário, me considero propriamente como um anarquista informado sobre o marxismo).
Há uma metáfora que também nego, que é um estrito pluralismo. As distintas opressões da sociedade são vistas como paralela de cada uma das outras, cada uma separadamente, sustentando-se a si mesma. A opressão das mulheres é vista como real, mas distinta do racismo, o qual está separado da homofobia, transfobia, lesbofobia, etc, e estão todas em paralelo a algo chamado “classismo”. Ainda quando este ponto de vista reverbera na realidade das distintas opressões, leva a um ponto de vista reformista: que vale tudo para a luta das mulheres, por exemplo, ignorar classe e raça (e logo ser dominadas por mulheres brancas de classe média que aceitam o capitalismo), como que o movimento operário paralelo pode ignorar o sexismo e o racismo, já que são opressões distintas. Não obstante, desejaria enfatizar que todas as opressões estão entrelaçadas e sobrepostas, inclinando-se e dando suporte umas as outras. Gosto da metáfora de uma pilha de pauzinhos, todos inclinados sobre os outros, ainda que alguns podem ser mais centrais na pilha que outros.

Supremacia branca
Muitos tratam as opressões como populações distintas; como se os trabalhadores estiveram por aqui, as mulheres por ali, os afro-americanos em outra área. Isto é enganoso. A população estadunidense, por exemplo, pode ser analisada em termos de classe: Capitalistas, trabalhadores e setores médios. Pode ser também analisada em termos de raça e nacionalidade/etnia: Europeus-americanos, afro-americanos, latinos, asiáticos-americanos, nativos americanos e outros. Pode ser analisada em termos de gênero: Homem ou mulher. Pode ser analisada em termos de orientação sexual: Heterossexual, LGBTTT’s, etc.. Sem dúvidas, estas seguem sendo os mesmos seres humanos. Estas análises com abstrações: Abstraímos (tiramos) certas características com a finalidade de entende-las melhor. A análise do sistema de opressão é, verdadeiramente, útil para entender como as pessoas se comportam e como se definem a si mesmos. Mas segue sendo a mesma população. Os sistemas se superpõem e interatuam. Por exemplo, as mulheres trabalhadoras afro-americanas não estão oprimidas como negras em dado momento, e logo em outro momento oprimidas/exploradas como trabalhadoras (considerando que até em suas horas de trabalho depende de suas credenciais obtidas como trabalhadora). Poderiam analisa-la desta forma, mas os fatos em sua vida é uma totalidade.
Consideremos a supremacia branca. Os africanos foram primeiro sequestrados e usados no Norte e na América do Sul por claras razões econômicas: Ser um tipo de trabalhadores, chamados de escravos. Eles produziam mercadorias (tabaco, algodão, etc.) as quais eram vendidas no mercado mundial. Hoje os afro-americanos são oprimidos dentro da classe trabalhadora, a maioria pertence aos setores mais pobres. Sua opressão serve a duas classes e a dois propósitos: Criam um fundo de trabalhadores que podem ser superexplorados por baixos salários e debilita a totalidade da classes, dadas as divisões raciais e a crença dos trabalhadores brancos em sua superioridade. Ainda que o etnocentrismo é tão antigo quanto a espécie humana, o racismo é uma ideologia que foi inventada durante o escravismo para justificar a escravidão e o roubo de nativos americanos. Foi elaborada na era do imperialismo para conseguir apoio ao colonialismo.
Mas essa análise não significa que a supremacia branca é somente assunto da economia. Há, depois de tudo, alguns ricos afro-americanos, os quais podem seguir sendo presos por serem negros. Seja qual for suas origens, a opressão racial é real. Em sua luta contra ele, os afro-americanos vão se criando como um povo, com sua própria cultura e consciência – Um povo que segue lutando por sua liberdade. Com um conjunto de opiniões, o racismo é quase universal entre os brancos, no ranking que vai desde os “pontos cegos” liberais, que até os antirracistas também temos, aos prejuízos moderados da maioria dos brancos, até o ódio virulento dos fascistas. O racismo afeta não só a economia, como também a política e a cultura da sociedade. Este não desaparecerá só através de argumentos racionais; se exige lutas de massas – lutas do povo negro enquanto povo negro, em aliança com os antirracistas brancos.
As lutas dos afro-americanos se superpõem com todas as outras lutas. Nos anos 50 e 60, a rebelião dos afro-americanos teve um papel chave na movimentação de toda a sociedade, inspirando o movimento anti-guerra, o movimento de mulheres, o movimento gay, como também as lutas da classe trabalhadora (M. L. King foi assassinado em Menphis enquanto apoiava a greve de trabalhadores da saúde, majoritariamente negros). Fizeram-se grandes progressos na limitação da supremacia branca – O chamado fim da segregação legal (Jim Crow). Mas os variados mecanismos da sociedade racista-capitalista deixaram os afro-americanos no fundo da sociedade. É preciso uma revolução total modificar isso.

Patriarcado
O patriarcado – supremacia masculina – também interatua com todos os outros aspectos de nossa sociedade opressiva, autoritária. As vidas as mulheres são diretamente afetadas por sua raça e por sua classe. Aproximadamente metade das mulheres adultas são trabalhadoras empregadas. Incluindo as desempregadas donas de casa, dependem do salário de seus maridos, os quais dependem de sua classe, e estão influenciados por sua raça.
Mais fundamentalmente, a vida das mulheres está determinada por seu papel na família, o qual está determinado pelo tipo de sociedade em que se está. A família nuclear do capitalismo tardio é o centro do consumo de mercadorias. É onde a mercadoria força de trabalho dos trabalhadores (homens e mulheres, adultos e crianças) é criada e recriada. É onde a psicologia social de nossa sociedade é passada até outra geração. As relações entre a família e o capitalismo são sutis e complexas mas muito reais. A imagem da mulher está diretamente relacionada com seu papel na família (e antes do capitalismo, nas famílias das sociedades feudais, escravistas, etc.).
Interessante; Engels inclui o papel da mulher na “base” da sociedade junto à produção de bens. “De acordo com as concepções materialistas, o fator determinante da história é, em última instância (destacado por W.P.), a produção e reprodução imediata da vida. Isto, novamente, em um duplo caráter... A produção dos meios de existência...; e por outro lado, a produção dos seres humanos, a propagação da espécie... A organização social... está determinada por ambos tipos de produção: pelo estado de desenvolvimento do trabalho por um lado, e por outro a família”. (Sobre el origen de la familia, la propiedad privada y el Estado, 1972, NY: International Publishers; p. 71-72). Ele especulava que a opressão das mulheres precedeu a sociedade de classes e foi sua origem.
Sem aceitar o modelo de base/superestrutura de Engels (nota-se o qualificativo destacado “em última instância”; alcançaremos alguma vez a “última instância”?) de acordo com que “a produção e a reprodução imediata da vida” influencia fortemente todos os outros processos sociais. Também de acordo com que a opressão das mulheres vem desde muito antes, na pré-história, e está muito profundo nas estruturas de nossa sociedade. Esta afeta diretamente a, e é afetada pela estrutura de classe e todos os outros aspectos de nossa política e cultura. Também será necessária uma revolução total para lhe por um fim.
Poderia seguir falando muitas outras formas de opressão e relacionando-as entre elas e com a estrutura de classe. Por exemplo, a opressão nacional está diretamente relacionada ao imperialismo, enraizado nas relações de classe capitalistas. A destruição ecológica está relacionada com o impulso do capitalismo de acumular capital constantemente, tratando o mundo natural como uma mina. A homofobia está relacionada com a definição social de gênero, enraizada na estrutura familiar capitalista e sua psicologia social. E também, em complexas formas de interação. O ponto é que cada opressão suporta todas as outras; e todas elas suportam a exploração capitalista e são suportadas por ela. A luta contra cada uma requer a luta contra todas; o fim de cada uma requer o fim de todas. Não haverá sociedade sem classe se não haver também a libertação das mulheres, dos negros, etc.
Em seu estudo sobre as tendências do anarquismo, Benjamin Franks resume seu ponto de vista aqui: Este “considera as relações capitalistas como dominantes na maioria dos contextos, mas não como a única força organizada... O capitalismo interage com outras formas de práticas opressivas que podem não ser totalmente redutíveis a atividade econômica. Aqui as diferentes identidades subjugadas são formadas... No entanto, como o capitalismo continua a ser um fator significativo, a libertação econômica também deve ser uma característica necessária” (Rebel Alliances, 2006, Edinburgh:. AK Press, p 181).

O papel especial da classe
Cada forma de opressão deve ser analisada em sua realização. Por exemplo, a opressão das mulheres não funciona da mesma forma que o opressão/exploração da classe trabalhadora. Olhando para o sistema de classes, há aspectos específicos que o distinguem de outras formas de opressão sistêmica.
Em primeiro lugar, sobre o objetivo. O objetivo da libertação das mulheres não é a destruição do homem, mas a reorganização das relações entre homens e mulheres (embora a definição do que são os homens e as mulheres provavelmente mude ao longo do tempo são). O objetivo da libertação negra não é a destruição de pessoas brancas, mas a reorganização das relações entre europeus e americanos afro-americanos (embora, a longo prazo, as raças possam se dissolver como grupos separados). Mas o objetivo de uma revolução da classe trabalhadora é a derrubada total da classe capitalista, a sua destruição, como uma classe, e sua substituição com o domínio sem Estado da classe trabalhadora (movendo em direção a uma sociedade sem classes).
Em segundo lugar, no poder dos dominantes. Como um grupo, os homens dominam as mulheres. Mas isso não significa que os homens -todos os homens- dirijam a sociedade. Não há reuniões de homens para tomar decisões sobre como governar. (Se existem, eu nunca fui convidado). Muitos homens fazem parte da classe trabalhadora e têm pouco poder. Dar-lhes a escolha, eles provavelmente preferem programas de cuidados infantis e o fim da discriminação da mulher no trabalho (o que provavelmente inclui suas esposas e filhas). Da mesma forma as pessoas brancas, como um coletivo, dominam as pessoas negras. Mas as pessoas brancas não fazem reuniões especiais onde se decide sobre a política interna e externa. Mais uma vez, a maioria dos europeus-americanos são da classe trabalhadora e realmente não possuem o poder (seja lá o que se imaginem).
No entanto, a classe capitalista realmente governa a sociedade! É por isso que eles são chamados de classe dominante. (É claro que a maioria dos empreendedores são homens e brancos). Os capitalistas têm seus negócios e os governam (diretamente ou através de gerentes). Apenas cerca de 1 a 5 por cento da população, controla a produção de bens e serviços dos quais vivemos todos nós. Eles determinam o emprego ou desemprego dos trabalhadores. Com sua riqueza e influência, controlam ambos os partidos políticos. Eles possuem e dirigem os meios de comunicação, que são as principais rotas de notícias e formação da cultura popular. Eles dominam o governo em todos os níveis. O seu domínio de classe deve ser totalmente derrubado, se queremos um mundo melhor.
Em terceiro lugar, o poder potencial dos oprimidos. Como já foi dito, as lutas dos afro-americanos nos anos cinquenta e sessenta balançaram todos os aspectos da vida estadunidense. Gostaria também de salientar a influência dos vietnamitas, uma nação oprimida que resistiu imperialismo americano. Suas lutas de libertação nacional acrescentaram muito durante este período de agitação nos EUA (e do mundo). O movimento de libertação das mulheres também afetou a nossa cultura e política. O movimento gay era mais marginal em tamanho, mas o seu impacto foi muito grande causando reconsideração de estereótipos sexuais. (Os direitos das mulheres e os direitos dos homossexuais continuam a serem questões importantes na política norte-americana).
Sem dúvidas, a classe trabalhadora é única entre os grupos oprimidos, por seu poder possível. Como eu disse na Parte I, apenas os trabalhadores (como trabalhadores) podem todos juntos parar esta sociedade. E somente a classe trabalhadora pode começar de novo com uma nova base. Nossa classe produziu todos os bens; Nós os transportamos; nós os distribuímos; nós atendemos as necessidades do povo. Nós temos um enorme potencial. Qualquer um que tenha estado em uma cidade durante uma greve geral sabe como isso é verdade. A greve geral de sucesso em uma cidade poderia transformar a política estadunidense. Grande parte das políticas capitalistas existe para impedir que a classe trabalhadora se torne consciente do seu poder e o utilize.

Conclusões estratégicas
A partir da análise acima, eu tiro conclusões de nível estratégico (e não apenas moral). A primeira é que não há problema em chamar anarquistas de luta de classes. Estamos no direito de colocar a luta de classes especificamente no centro das nossas políticas. Estrategicamente, o inimigo principal é a classe dominante capitalista e seus aliados. Buscamos mobilizar o enorme poder, único, a maioria da classe trabalhadora contra eles.
Em segundo lugar, nós, revolucionários, deveríamos apoiar todas e cada uma das lutas contra a opressão, não importando quão grande ou pequeno elas são, ou se eles estiverem conectados de forma direta nas questões de classe ou não (na medida em que todos os tipos de opressão se sobrepõem com a opressão de classe). Além de ter suas próprias fontes, cada sistema de opressão apoia o capitalismo, e é apoiado pelo capitalismo. O que equivale a dizer que lutando contra a opressão cada se implode o capitalismo, como lutando contra o capitalismo implode cada opressão.
Este sistema é muito poderoso e complexo. Tudo o que temos para derrubar será necessário. Devemos apontar cada mal dessa sociedade para abrir os olhos das pessoas sobre a necessidade de revolução. Precisamos de todos os assuntos que possam mobilizar as pessoas para lutar em seu nome. Na prática, um grupo revolucionário precisa priorizar seus poderes limitados, mas os princípios devem se opor a todos os efeitos do mal desta sociedade, e estar do lado de todos aqueles que lutam por um mundo melhor.
Estas duas conclusões estratégicas não se contradizem. É no cruzamento entre a exploração e opressão não-classista para encontrar o maior potencial de paixão revolucionária entre a classe trabalhadora imigrante ou mulheres da classe trabalhadora, por exemplo. Em cada luta dos trabalhadores, devemos olhar para os efeitos sobre as mulheres, afro-americanos, os imigrantes, os jovens, etc. Devemos usar essas conexões para fortalecer a luta – caso contrário, eles podem se tornar fontes de divisão e fraqueza. Além disso, cada movimento não classista deve procurar o conflito de classes. Devemos opor-se à liderança da classe média pró-capitalista no movimento das mulheres, no pacifismo, no movimento Africano-Americano, etc. – e mesmo nos sindicatos! Em vez disso, levantamos um programa que seja do interesse das mulheres da classe trabalhadora, os trabalhadores afro-americanos, etc., e que expõe as causas capitalistas de guerra. O capitalismo é o centro da rede autoritária de opressões. Todas elas devem ser abolidas.
Os Manifesto Comunista estabelece (e os anarquistas de luta de classes concordariam), “Todos os movimentos históricos têm sido, movimentos de minorias, ou os interesses das minorias. O movimento proletário é o autoconsciente, independente da imensa maioria, pelos interesses da grande maioria. O proletariado, a camada mais inferior de nossa sociedade atual, não pode levantar-se, sem explodir o conjunto dos estratos que cobrem a sociedade oficial”. Uma tradução alternativa: “O proletariado... não pode permanecer em pé sem explodir uma superestrutura completa das camadas que compõem a sociedade oficial”. (In.: H. Draper, The Adventures of the Communist Manifesto, 1998, Berkeley CA: Center for Socialist Studies, p. 133).
Em outras palavras, a rebelião da classe trabalhadora, especialmente daqueles que estão na parte inferior, agita tudo, revolucionando todos os aspectos em todas as partes da sociedade capitalista. No entanto, Marx e Engels sabiam que, mesmo na Inglaterra do seu tempo, os trabalhadores não eram a maioria, para não falar em outros países. (Ainda hoje, onde temos uma classe operária maioritária em muitos países, o núcleo do proletariado, os trabalhadores industriais, continua a ser uma minoria – Se é que é grande.) Eles falaram da classe operária ganhando aliados entre os oprimidos (mesmo aqueles que não tiveram um completo entendimento de todas as opressões). Vinte anos depois, Engels escreveu: “A classe exclusivamente dependente do salário toda a vida ainda está longe de ser uma maioria entre o povo alemão. Ela é, portanto, obrigada a buscar aliados”. (em Draper, 1998; 232 p.).
Uma Revolução liderada pela classe trabalhadora não será a tomada do poder estatal por uma elite, mas vai ser a autolibertação consciente do “grande maioria”: Todos os oprimidos, cujo centro é o proletariado. E é só o proletariado, a classe trabalhadora (multinacional, multirracial, multicultural, etc.) – pode unir todas essas forças rebeldes, e canalizar até a Revolução. A existência de um movimento proletário maioritário não é dado, mas deve ser criado através da prática revolucionária.
Durante cerca de dois séculos a nossa classe tem lutado. Ela tem conseguido vitórias e sofreu perdas terríveis. Esta classe trabalhadora do capitalismo foi esmagada, vendida, abatida, enganada, foi preconizada como a pior, teve todos os direitos negados, ou teve limitados direitos outorgados, foi enviada para a guerra, seus sindicatos e partidos se voltaram contra ela, tem sido caluniada e explicada por teóricos da classe média. Mesmo neste curto espaço de tempo, tem lutado mais do que qualquer outra classe explorada fez ao longo de milênios. Construiu organizações de massa, fez pequenas greves e greves gerais, forçando os capitalistas a lhes concederem direitos democráticos e abalou o mundo com levantes revolucionários. Existe uma garantia de que a nossa classe, com seus aliados entre os oprimidos, destruirá o capitalismo e toda a opressão? Vamos transformar – “inevitavelmente” – o capitalismo antes que o capitalismo destrua o mundo com uma guerra nuclear ou desastres ambientais? Não, não há nenhuma garantia. Esta é uma questão a ser decidida na luta! Em contrapartida não há uma falha fatal para garantir que a nossa classe nunca terá sucesso. A história está longe de terminar.

Livreto para download: clique aqui

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Nota em apoio aos perseguidos políticos




Mais uma vez o Estado dá mostras de sua face mais traiçoeira: A de defender os anseios do capitalismo e da sua perpetuação por meio do encarceramento de quem ousa desafiar sua autoridade, seu reinado de infâmias. As mídias, controladas pelos poderosos, insistem em jogar o povo contra o povo, que não percebe que está a esmagar justamente os que lutam com eles. 

As prisões e os prisioneiros
Igor Mendes, Elisa Quadros e Karlayne Moraes. Os três foram presos por terem supostamente não cumprido as medidas cautelares de não participarem de manifestações até o fim dos seus processos. A “manifestação” era na verdade uma homenagem aos professores, no dia 15 de Novembro de 2014. Igor foi preso no dia 03 de Dezembro, Elisa e Karlyane estão foragidas.

Tais medidas ainda são os resquícios das políticas de seguranças implementadas para os megaeventos no Brasil (Copa do Mundo e Olimpíadas), que provavelmente criminalizarão e defenderão com unhas e dentes a exploração descarada produzidas a partir destes mesmos eventos. 

É preciso ressaltar ainda que os três são a ponta do iceberg. Existem inúmeros processos contra uma infinidade de militantes de todas as partes do país, e que correm sérios riscos de serem presos por formação de quadrilha.

Aquele político que lhe parasita, e que não contente, rouba descaradamente os parcos frutos do seu trabalho; aquele empresário que pinta e borda na suposta “lei para todos”; aquele policial homicida, que participou de chacinas em favelas; Os latifundiários que expulsam campesinos e indígenas das terras com extrema violência... Estes dificilmente serão culpabilizados pelos seus atos. A mídia, o Estado, os Governos, os empresários, os militares, todos eles lutam em unidade, contra um mundo de justiça, sem desigualdades sociais; 

Uma batalha internacionalista.
Ao passo que no Brasil a histórica perseguição política ocorre sem muitos empecilhos para os poderosos, no mundo, a história se repete. Exemplificamos dois contextos diferentes: Mumia-Abu Jamal, militante dos Panteras Negras, acusado de matar um policial, foi condenado primeiramente à morte, e depois a prisão perpétua (cercear a liberdade de um indivíduo não é mata-lo em vida?) mesmo após inúmeras retificações de depoimentos, sendo explicitado a coação policial contra as testemunhas. Em 2014, Mumia completa 33 anos de cárcere.

Na Grécia, o jovem Nikos Romanos, que viu em 2008 Alexis Grigoropoulos morto em seus braços devido a um projétil disparado por policiais, foi preso em 2013 por “expropriação de uma agência bancária”; recebeu 16 anos de prisão e recentemente entrou em greve de fome exigindo principalmente o direito de estudar em uma Universidade em Atenas. A negação do pedido gerou revolta e apoio em todo o mundo, onde inúmeras insurreições de rua se deram em toda Grécia.


Uma conclusão inconclusiva
Hoje, 10 de dezembro de 2014, o Comissão Nacional pela Verdade emite seu relatório final, dando conta, dentre outras coisas, das torturas sofridas durante a ditadura civil-militar brasileira. Chega a ser estarrecedor, perceber que o estado jurídico, um dos mecanismos de combate aos militantes daquele tenebroso período, ainda funciona a todo vapor para hoje, 50 anos depois, criminalizar, perseguir, torturar e esmagar quem luta por um mundo mais justo para todos; a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), foi “carinhosamente” apelidada de “novo DOPS”.

Porém, o ímpeto transformador que habitava os corações dos que lutavam contra a ditadura permanece, se transforma e adapta-se às novas demandas da atualidade. Precisamos ainda fortalecer nossa rede de ajuda mútua para com os perseguidos políticos, para não sucumbirem nos “porões da democracia”. Venceremos! Ninguém ficará para trás!

“Que os poderosos saibam que nossos sonhos serão os seus pesadelos”


Nossa mais sincera e profunda solidariedade com os presos políticos do país, e do mundo inteiro!

LIBERDADE AXS PRES@S POLÍTIC@S!



GEAPI - Grupo de Estudos Anarquistas do Piauí

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Democracia Rojava



A razão para que o titulo deste artigo seja “Rojava Democracy” (Democracia Rojava), não é porque eu queira falar sobre o tipo de sistema que as pessoas estejam querendo construir em Rojava, mas é exatamente o oposto. Eu quero sugerir um conceito que não tenha fronteiras, o qual eu possa recomendar para qualquer lugar. Ao usar este nome, eu pretendi fazer referencia ao um tipo “democracia de oposição” que se opõe ao capitalismo/neoliberalismo e ao regime prisional, o qual dia após dia, tem criado piores condições para uma humanidade que è explorada e sujeita a condições de controle extremo, em cada canto do globo terrestre. Acho que isso è um belo nome para o tipo de “igualdade e liberdade” que pode ser percebido em uma democracia ecológica, coletiva, cooperativa, comunitária; uma democracia participatória radical e uma vitalidade que permanece ainda mais criativa do que essas teorias. Além disso, eu acredito que seja completamente apropriado que a classificação estrutural definida como democr
acia participatória radical com toda sua dinâmica interna adote um nome coletivo oriundo do “ponto-zero” do mundo—Rojava.

Você pode pensar que, embora nós estejamos bem intencionados, possa ser um exagero sugerir que a “Democracia Rojava” seja aplicada ao mundo todo; mas isso è o que eu tenho tentado, insistentemente, explicar ao longo de dois ou três anos—não deixe que a alegação de que “Rojava é o ponto-zero do mundo” pareça lamentável. Ela se chama “Democracia Rojava” porque num mundo onde alguém experimenta as dimensões espaciais ilimitadas de raça, classe e interferência estatal em quase toda rua e em um Cetro Leste que tem sido dividido por fronteiras marcadas por campos minados é uma tentativa de trazer à vida uma democracia participatória radical como uma forma de governo e tem funcionado em meio a toda sua matéria essencial, em contraste ao resto do mundo, não somente inclui as minorias de toda comunidade étnico-religiosa, mas acredita que é absolutamente necessário inclui-las.*O comitê popular de Rojava, no qual árabes, alevitas, yezidis, cristãos, turcomanos, sírios, armênios, assírios e, claro, os curdos estão participando juntos separa diretamente as rupturas das dimensões espaciais de raça, classe e interferência estatal.

É um nome que precisa ser empregado ao redor do mundo porque a “Democracia Rojava” é o oposto das fronteiras, e porque mulheres que têm sido rejeitadas nas esquinas de cada lugar do mundo e, em particular, nos seus guetos neoliberais tem se tornado um sujeito-base desta democracia radical em um Centro Leste que é um dos mais afiados e claros exemplos de exclusão. Para as mulheres –que são excluídas, transformadas numa segunda classe, tanto celebradas quanto confinadas ao seu serviço com crianças, tanto expostas quanto cobertas, tanto estupradas quanto tomadas sob proteção/presas, e em todos as situações são objetificadas—não é nada mais que uma luta de libertação.

Eu quero olhar conceitualmente para esta tentativa de subversão como Giacometti comentou em seu trabalho. Giacometti sempre falou sobre suas esculturas como parte de um trabalho completo. Isso é para dizer que todos os arquivos e martelos, os escultores e todas as ferramentas em sua oficina, os fragmentos quebrados e moldados, a poeira e todos os detritos são como uma peça. Ainda que ao mesmo tempo todas estas esculturas tenham sido formadas de toda aquela poeira e fragmentos e devido a isso, como uma peça, elas foram formadas de tudo. A Democracia Rojava é uma parte do mundo todo e está se autoconstruindo da poeira e dos fragmentos...

E as estatuas de Giacometti são consideradas uma obra-prima...

*Aqui, eu deveria ressaltar que as seitas e as denominações de comunidades religiosas são fundamentalmente e em ultima análise definidas como um tipo de “raça-etnicidade”.

Tradução, Caroline Alves

Fonte: <http://rojavareport.wordpress.com/2014/11/17/rojava-democracy/. publicado em 17 de Novembro. Autor desconhecido. Acesso em 21 de Novembro de 2014. 9:20> 

Teresina, Novembro, 2014.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

18.11.1918 - 18.11.2014: Viva a Insurreição Anarquista de 1918!





Hoje, 18 de Novembro de 2014, comemoramos 96 anos da épica Insurreição Anarquista ocorrida no Rio de Janeiro. Escolhemos, para relembrar a tentativa de criação de um autogoverno popular no Brasil, um texto de John W. F. Dulles, do livro “Anarquistas e comunistas no Brasil”, disponível em nossa biblioteca virtual

Olhemos o passado para relembrar d@s brav@s companheir@s que lutaram incessantemente para a edificação de um mundo de justiça e igualdade social, política e econômica, vivamos o presente em organização e luta, reparando os erros do passado e fitando no horizonte, o futuro que, através da derrocada do capitalismo e do Estado, ergueremos: Um futuro Socialista e Libertário.  

ANARQUISMO É LUTA!



"Com o fim da Primeira Guerra Mundial (a 11 de novembro de 1918), uma segunda fase da onda de greves iniciadas em 1917 abalou o país até 1.921. Um aspecto novo se revelaria agora, ocasionalmente: É que alguns dos lideres do proletariado estavam decididos a fazer os companheiros seguir o exemplo de seus "irmãos" bolchevistas, para se estabelecer "um governo genuinamente de operários e soldados". Havia. entre tais lideres, os que estavam bastante impressionados com o fato de que um estágio avançado de desenvolvimento industrial não era requisito para a derrubada violenta do capitalismo. Acreditavam, como Lênin e Trotsky, que estava a seu lado a lógica da história universal, e que o movimento proletário, iniciado na Rússia em 1917, iria expandir-se inevitavelmente. 

As autoridades brasileiras, também sob influência da revolução bolchevista, raras vezes perdiam a oportunidade de avisar a população que o teor do movimento grevista era bem mais sinistro do que a reivindicação do aumento salarial e a jornada de oito horas. Poderiam referir-se à motivação dos líderes anarquistas que organizaram a greve que estourou no Rio uma semana após o fim da guerra mundial, antes da suspensão do estado de sítio. Com a ajuda de bombas, os conspiradores tentaram recriar os acontecimentos ocorridos em Petrogrado, no ano anterior".

José Oiticica foi designado líder do "conselho" diretor da insurreição, sendo nesta tarefa auxiliado por Agripino Nazaré, advogado da Bahia, e Astrogildo Pereira, cujas cartas à imprensa lhe custaram o emprego no Ministério da Agricultura. Outros que estiveram ligados ao conselho insurrecional foram Manuel Campos, o anarquista espanhol que dirigiu Na Barricada em 1915-1916, Alvaro Palmeira, um professor de certo prestígio entre os operários da construção civil, e Carlos Dias, o operário gráfico que por mais de 10 anos vinha trabalhando na publicação de jornais anarquistas. Os líderes dos trabalhadores das fábricas de tecidos, Manuel Castro e Joaquim Morais, assim como José Elias da Silva, João da Costa Pimenta e o jornalista José Romero estavam cientes da conspiração. 

Enquanto o conselho orientava os operários, prestes a se declararem em greve pela melhoria das condições de trabalho, as atenções da população brasileira se voltavam pua a terrível epidemia de "gripe espanhola" e para os planos da tomada de posse do Presidente-eleito Francisco de Paula Rodrigues Alva, que deveria suceder a Venceslau Brás no dia 15 de novembro de 1918. 

A epidemia de gripe espanhola, catastrófica em São Paulo, alastrou-se de maneira ainda mais grave na Capital da República. Os relatórios indicam que, em meados de novembro de 1918, 401.950 cariocas foram, ou já haviam sido, acometidos pela gripe, numa população de 914.292 habitantes, e que àquela altura 14.459 pessoas haviam sucumbido à doença. Anunciou-se. que o Presidente-eleito Rodrigues Alva contraíra a gripe e que seu estado não lhe permitia assumir o poder. O Vice-Presidente-eleito Delfim Moreira assumiu a presidência, logo após o falecimento de Rodrigues Alves. 

Para infelicidade de Oiticica e dos demais conspiradores, Ricardo Correia Perpétuo, o membro do conselho que fora encarregado de distribuir boletins sediciosos entre os soldados aquartelados na Vila Militar, convidou o tenente do Exercito Jorge Elias Ajus a participar do movimento. Aja, expressando-se a favor da implantação no Brasil de uma forma de governo "inteiramente popular", à semelhança da Rússia, foi avidamente acolhido no movimento, devido a suas conexões militares, sendo nomeado, juntamente com Oiticica, chefe do movimento." Mas Ajus era um espião.

Na noite de 14 de novembro Ajus participou de uma reunião, na residência de Oiticica, em que tudo era falado em voz baixa, por solicitação do professor: Ele temia que sua esposa, que ocupava um cômodo contíguo e não sabia de nada, fosse capaz de denunciar a insurreição. Anunciou-se, então, que todos os operários em tecidos estavam prontos para a ação. Os operários que partissem de Botafogo deveriam invadir o palácio presidencial, onde hasteariam uma bandeira vermelha; os operários reunidos em Sito Cristóvão se apossariam dos depósitos de armas e munições da Intendência da Guerra; os tecelões de Bangu tomariam posse da fábrica de cartuchos de Realengo; o pessoal da Saúde, fiel a Manuel Campos, ajudaria no ataque ao quartel de policia ali existente. Oiticica observou que a deflagração deveria ser combinada para coincidir com as sessões da Câmara e do Senado, a fim de se prenderem todos os seus membros. Ajus se encarregaria do Exército. 

Uma reunião mais concorrida, de que participaram cerca de 40 conspiradores, realizou-se no dia 15 de novembro, numa sala do curso do professor Oiticica. Depois de aberta a sessão por João da Costa Pimenta, o tenente Ajus propôs que a insurreição começasse com uma concentração geral no Campo de São Cristóvão. para o posterior ataque à Intendência da Guerra e aos quartéis de policia. Oiticica concordou e ordenou que, após declarada a greve, mareada para as 15:30 horas do dia 18 de novembro, os grevistas, calculados em 15 mil, se dirigissem para o Campo de São Cristóvão. 

Na noite de 17 de novembro, em reunião de uns oito ou 10 membros do conselho na casa de Oiticica, Ajus alegou que não poderia cooperar efetivamente com o movimento, por não estar de serviço no quartel naquele dia 18, e pediu que a insurreição fosse adiada para o dia 20. Mas Agripino Nazaré opôs-se a esta proposta, lembrando que os tecelões, prontos para iniciar a greve no dia seguinte, não poderiam ser persuadidos a voltar atrás. Em seguida, Oiticica enumerou algumas das medidas tomadas: havia "quatro mil operários dispostos a tudo", e "1.600 bombas" já tinham sido distribuídas. Segundo Oiticica, seria fácil tomar o depósito de armas e munições do Campo de São Cristóvão e explicou ainda a maneira como os metalúrgicos cortariam as linhas telefónicas e dinamitariam uma das torres de iluminação da Light, deixando às escuras a cidade. Quarenta tambores de petróleo e gasolina — acrescentou — seriam usados para incendiar o edifício da prefeitura, o quartel-general do Exército e o quartel central da polícia. 

Nas primeiras horas da tarde de 18 de novembro, Oiticica se reuniu com alguns membros do conselho em um prédio da Rua da Alfândega, para rever os últimos detalhes do levante. As autoridades, informadas de tudo o que se passava, interromperam subitamente a reunião, prendendo Oiticica, Manuel Campos, Ricardo Perpétuo, Astrogildo Pereira, Augusto Leite e Carlos Dias. Júlio Rodrigues, o comissário destacado pelo chefe de polícia Aurelino Leal para efetuar as prisões, informou mais tarde que havia feito todos os esforços para conseguir a prisão de João da Costa Pimenta, Manuel Castro, Joaquim Morais c Raimundo Martins. Mas todos estes conseguiram fugir e permanecer escondidos.

Às quatro horas da tarde do dia 18 de novembro, os tecelões do Distrito Federal se declararam em greve; seis mil operários deixaram seus empregos em Bangu, onde o movimento "irrompeu com grande clamor". Os metalúrgicos e os operários em construção civil aderiram à greve logo em seguida. As fábricas estavam repletas de boletins que conclamavam à "insubmissão" e à "reação violenta contra a prepotência dos patrões". Os boletins distribuídos nos quartéis do Exército concitavam os militares, "irmãos dos trabalhadores", a se unirem à classe operária na formação dos comitês de soldados e operários com o fim de assumir a direção de todos os serviços públicos.

Às cinco horas da tarde umas poucas centenas de insurretos se reuniram no Campo de São Cristóvão. Durante a luta em que alguns deles tomaram a delegacia do décimo distrito policial, uma bala atingiu o delegado, e uma bomba arremessada contra um veículo da brigada policial feriu ligeiramente quatro praças. Para retomar dos insurretos a delegacia, uma unidade de cavalaria do Exército partiu da bem guarnecida Intendência da Guerra. Com repetidas "descargas de fuzil, conseguiu expulsar os invasores”. Chegavam, ao mesmo tempo, reforços do Exército e da polícia, conforme as providências de Aurelino Leal. Os insurretos fugiram, mas dezenas deles foram presos. Algumas das bombas abandonadas explodiram, aqui e ali.

Numa das indústrias têxteis, a Fábrica de Tecidos Confiança, um grupo de trabalhadores, chefiado por Miguel Manias, invadiu o escritório da fábrica para agredir a direção. Outros operários correram em defesa dos diretores, e saiu uma luta de faca, em que sucumbiu Miguel Martins. Três outros operários foram gravemente feridos, falecendo um deles quatro dias mais tarde. 

Em meio a muitos discursos, no dia 19 o corpo de Miguel Martins foi enterrado num caixão envolto na bandeira de seu sindicato. Descreveram-no como "vítima da traição de um companheiro". 

Aurelino Leal, apelidado de Torquemada ou de Trepov carioca pelos líderes trabalhistas, baixou uma ordem proibindo a realização das reuniões operárias. João Gonçalves, Francisco de Oliveira e outros líderes em Bangu protestaram e foram presos. Uma comissão de tecelões pediu permissão a Aurelino para se reunir, mas o pedido foi negado por não proceder da diretoria do sindicato (cujos componentes estavam presos ou foragidos). Os tecelões tentaram explicar ao chefe de polícia que seus salários e condições de vida não lhes permitiam fabricar bombas. "Positivamente. Sr. Dr., não queremos fazer revoluções. Queremos. sim, trabalhar, tendo os nossos direitos assegurados e respeitados”. 
No dia 22 de novembro o Presidente em exercício Delfim Moreira e o Ministro da Justiça assinaram um decreto que dissolvia a União Geral dos Trabalhadores, e suspendia temporariamente três sindicatos já fechados por Aurelino Leal: Os sindicatos dos operários em tecidos, dos metalúrgicos e dos operários em construção civil. Uma subcomissão da União Geral dos Metalúrgicos se queixou de que, quando a comissão da entidade se reuniu para decidir se os metalúrgicos deveriam voltar ao trabalho, toda ela foi "presa arbitrariamente". De acordo com as informações fornecidas pelo Tenente Ajus às autoridades, os metalúrgicos haviam sido designados para dinamitar uma torre da Light. 

No dia 19 de novembro arremessaram-se bombas em duas torres da Companhia Light & Power, que mal foram danificadas: A companhia assegurou que "só uma carga de dinamite de potência extraordinária" poderia derrubar as torres, e que, ainda assim, se isso aconteceria, os acumuladores disponíveis seriam suficientes para iluminar o Rio por 24 horas, o tempo necessário para reparar as instalações”. 

A 22 de novembro, guiando-se por estas palavras de conforto, os jornais estamparam manchetes sensacionalistas, em que se relatava e ação enérgica da policia, ao desbaratar um "atentado inominável" dos anarquistas, que planejavam dinamitar as represas de Ribeirão das Lajes, para privar a cidade de luz, força e serviço de bondes". Dizia-se que nada menos do que 10 "agitadores" foram presos, depois de surpreendidos com panfletos subversivos, grande quantidade de armas e mapas "da estrada que vai de Rio das Pedras a Ribeirão das Lajes, bem como dos pontos que deveriam ser dinamitados. A polícia acreditava que o plano era de dinamitar várias das bombas hidrelétricas e minar os escombros de modo que fossem mortos os operários encarregados do conserto". 

As notícias desta quase calamidade se fizeram acompanhar da revelação de que "nada menos do que 78 anarquistas" tinham sido presos de 18 a 21 de novembro. Estavam entre eles diversos espanhóis suspeitos e empregados em fábricas na Gávea, grevistas que tentaram reunir-se num matagal de Bangu, elementos encontrados num galpão com "documentos subversivos" e indivíduos apreendidos portando bombas ou armas. Dizia-se que os anarquistas estrangeiros seriam deportados e que os nacionais seriam enviados para a ilha de Fernando de Noronha, ao largo da costa nordestina.

Para demonstrar a existência de uma conspiração atrás do movimento grevista, as autoridades chamaram a atenção para o fato de que os operários abandonaram o serviço simultaneamente e sem levar aos empregadores as suas reivindicações. Com seus líderes dispersos e as reuniões de classe proibidas, os sindicatos encontravam dificuldade para encaminhar os seus reclamos. No dia 20 de novembro, todavia, o Jornal do Brasil publicou algumas das reivindicações proletárias. Os operários em construção civil queriam o dia de oito horas e garantias em casos de acidente de trabalho. Os metalúrgicos queriam salário mínimo, dia normal de oito horas e reconhecimento do sindicato como único intermediário entre patrões e empregados. 

Os tecelões acusavam os patrões de haverem ignorado os acordos de julho de 1917. O Jornal do Brasil, que sustentava e acusação, publicou uma resolução pela qual os tecelões não retomariam ao trabalho antes de obterem salário mínimo, semana de seis dias e dia de oito horas. 

O governo distribuiu uma série de comunicados com o intuito de persuadir os operários a abandonarem a greve, apelando inclusive para as esposas e mães dos mesmos. Nesses comunicados o governo, "amigo e natural protetor dos trabalhadores ordeiros", prometia a deportação dos agitadores que os exploravam e os submetiam a uma “terrível escravidão". Um boletim do Serviço de Segurança, 26 de novembro, anunciava a quantidade de dinheiro encontrada em mãos anarquistas. "Manuel Campos, ao ser preso, fora encontrado com mais de 500$000... Que prova mais clara de que os anarquistas explorem os trabalhadores ordeiros? Mas esse regime de coação está no fim. Ontem mesmo já voltaram para o trabalho 8.940 operários. Retomem todos os outros sem receio, porque a policia está agindo e não dará trégua aos dinamitadores.

No fim de novembro a maioria dos grevistas remanescentes voltaram a seus empregos. Mas as companhias se recusaram a readmitir os que consideravam perigosos. A esta altura dos acontecimentos a policia mantinha cerca de 200 "agitadores" na Casa de Detenção. Ao contrário dos boatos inspirados pela presença de um navio de guerra: Os prisioneiros não foram enviados a Fernando de Noronha, permanecendo na cadeia para serem interrogados. A polícia atava interessada principalmente nos planos de dinamitação de torres e represas.

Os estudantes do Colégio Pedro II e da Escola de Medicina pediram a libertação de José Oiticica. Mas tiveram de continuar sem o professor, pois Oiticica, solto ao dia 10 de dezembro, embarcou "deportado" com esposa e filhos sio Olinda, rumo ao Estado de Alagoas.

João da Costa Pinicais foi para São Paulo, e Agripino Nazaré mimam à Babai, seu estado natal. Astrogildo Pereira permaneceu encarcerado no Rio de Janeiro. Escrevendo a Oiticica, em janeiro de 1919, sobre a prisão e o processo que o enquadrara, Astrogildo terminava a cana dizendo: "Nossa disposição não esmorece. Em todos nós palpita o mesmo entusiasmo, e nossas convicções se enraízam ainda mais fundo. O mundo é nosso — e todos os sabres, todas as grades do Sr. Aurelino resultam, afinal, num estimulante poderoso e incontestável" "Hurra' para a anarquismo!", escreveu noutra carta. (...)"


Fonte:
DULLES, John W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil, 1900-1935. Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1977. pp 66-71.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

O poder “soviético” – Seu presente e seu futuro



Um grande número de pessoas, sobretudo de esquerda, tendem a considerar o poder "soviético" como um poder de Estado diferente dos outros, apresentando estas diferenças como melhores:
"O poder soviético dizem eles, é um poder operário e campesino e, como tal, possui um grande futuro pela frente..."

Não há afirmação mais absurda. O poder "soviético" não é um poder melhor nem pior que os outros. Atualmente, é também inseguro e absurdo como todo poder de Estado em geral. Diante de certas notícias, é até mais absurdo que os outros. Conseguindo uma dominação política total do país, se fez o proprietário indiscutível de seus recursos econômicos e, sem contentar-se com esta situação grosseiramente exploradora, sentiu nascer nele o sentimento enganoso de uma "perfeição" espiritual, um sentimento que procura desenvolver diante do povo trabalhador e revolucionário do país. Assim, quer se impor ao povo enganando como seu dono espiritual; nisto, é fiel à insolência ilimitada e irresponsável de todo poder de Estado. Não é um segredo para ninguém que esta suposta "perfeição" do regime não é outra que a de seu inspirador, o partido bolchevique-comunista.

Tudo isto é só mentira descarada, repugnante hipocrisia e imprudência criminal direcionada à classe operária, em nome das quais e graças à elas se fez a Grande Revolução Russa, agora castigada pelo poder em proveito dos privilegiados de seu partido e da minoria proletária que, sob a influência deste partido, acreditou que estava representada nos rótulos, apetitosas para os ignorantes, do Estado proletário e da ditadura do "proletariado". Minoria que se deixa sem dúvidas se arrastar pelas rédeas, por este partido, sem ter participação alguma nem ter o direito a ser informada com precisão sobre o que se preparou e se cumpriu de forma traidora atualmente e o que todavia se prepara hoje contra seus irmãos proletários que não querem ser um instrumento cego e mudo e os que não creem nas mentiras do partido de máscara proletária.

Não é de se estranhar, sem dúvida, se este comportamento do poder bolchevique a respeito dos trabalhadores pode mostrar-se diferente no domínio de sua educação "espiritual". Ponho como mostra a persistência da consciência revolucionária nos trabalhadores da URSS, causa de grande preocupação para o regime, e que o Partido Bolchevique quer substituir por uma consciência política fabricada segundo seu programa.

É esta a circunstância que explica que o poder bolchevique se encontra cada vez mais cheio de dificuldades e que quer estupidamente completar seu despotismo econômico e político por uma empresa espiritual sobre o povo trabalhador. Não faz falta dizer que esta situação atual do regime condiciona estreitamente seu futuro; futuro completamente incerto, por falta de um futuro favorável. 

Em efeito, a situação atual é visivelmente desfavorável para milhões de trabalhadores dos que se pode esperar, de um momento ou outro, insurreições e revoluções sangrentas contra a ordem bolchevique-comunista. É muito evidente que este espírito insurrecional revolucionário dos trabalhadores da URSS deve ser apoiado por todos os revolucionários de todas as partes. Não obstante, não fará falta que contrarrevolucionários e inimigos dos trabalhadores tirem proveito desta situação. Os trabalhadores e revolucionários devem pois ter por objetivo destruir a ordem atual insensata e irresponsável, instaurada a favor dos privilégios do membros do Partidos e de seus mercenários.

A loucura deste regime deve ser eliminada e substituída pelos princípios vitais dos trabalhadores explorados, tendo como base a solidariedade, a liberdade e a igualdade de opinião para todos eles e a cada um, em definitivo, para todos os que se preocupam de uma autêntica emancipação. É um problema que concerne a todos os revolucionários russos: Todos aqueles que se encontram exilados ou na URSS devem, ao meu ver, preocupar-se com isso em primeiro lugar, assim como todos os proletários e os intelectuais dispostos revolucionariamente; acrescentarei a isto todos os opositores e refugiados políticos do regime bolchevique, a condição de que isto seja por motivos verdadeiramente revolucionários.

Eis aqui como vejo o presente e o futuro do "poder soviético", assim como a atitude que devem adotar os revolucionários russos de todas as tendências a respeito dele. Revolucionários que não podem, a meu ver, traçarem o problema de forma diferente. Devem levar em conta que, para combater o poder bolchevique, há de ter em consideração os valores que utilizou e proclamou para apoderar-se do poder; valores que continuam por outro lado, defendendo mentirosamente.

Caso contrário a luta dos revolucionários se mostraria, se não contrarrevolucionária, inútil para a causa dos trabalhadores enganados, oprimidos e explorados pelos bolcheviques-comunistas, os trabalhadores aos que os revolucionários devem ajudar custe o que custar a libertar-se deste velho círculo vicioso de mentira e opressão.

(Nota de Alexandre Skirda: Este órgão foi reescrito por vários fugitivos anti-estalinistas e anti-trotskistas, que se retiraram do regime bolchevique tendo como base uma volta aos soviets livres de 1917 e as reivindicações dos insurrectos de Kronstadt em 1921. O principal entusiasta da revista era Gregorio Bessedovsky, ucraniano e ex- diplomata soviético deixando em meio a confusões a embaixada da URSS em Paris e dedicando-se a denunciar violentamente as infâmias do regime stalinista. Ver sua obra: Si, acuso! Paris, 1930. Nota do tradutor espanhol).

(Nestor Makhno. O poder "soviético" - seu presente e seu futuro. 1931. Publicado originalmente em Bor'ba (A Luta), Paris, n°19-20, 25 de Outubro de 1931, pp.2-3. Tradução para o espanhol realizada por Jordy Rey. Tradução para o português realizada pelo GEAPI - Grupo de Estudos Anarquistas do Piauí).